Dos anos 20 aos 70

A moda é aparentemente efémera, está em constante mutação. Contudo, um olhar atento permite-nos perceber que a “moda” caracteriza uma época e acompanha as mudanças sociais e económicas que foram ocorrendo na sociedade.


 




Com a Primeira Guerra Mundial, a sociedade sofreu mudanças radicais. Nada mais seria como antes. Na década de 1920, finda a Guerra, a Europa sofria as consequências do pós-guerra. Muitos aristocratas perderam os seus lugares na sociedade; os automóveis começam a tomar o lugar das carruagens; com as baixas de soldados durante o conflito mundial, a mulher começa a ganhar o seu lugar na sociedade, desde logo como trabalhadora; os cabelos femininos perdem o volume e ganham cortes curtos e os nada práticos espartilhos saem de cena. Livre dos espartilhos, usados até o final do século 19, a mulher começava a ter mais liberdade e já se permitia mostrar as pernas, o colo e usar maquilhagem.

É nesta época, conhecida por Loucos Anos 20, que é revolucionado o conceito de moda feminina - é a Era Moderna da moda.

Livres dos espartilhos, a silhueta da mulher torna-se tubular. É o fim das cinturas marcadas, e das curvas acentuadas. Era como um grito de liberdade feminino. Se durante a guerra as saias começaram a perder comprimento, em 1925 elas encurtaram significativamente para escândalo dos mais conservadores. Nesta época cobriam apenas os joelhos. Nos EUA chegaram a ser elaboradas leis contra as tais saias. Surgiu um novo ideal de sensualidade feminina, segundo o qual a atenção estava voltada unicamente para os tornozelos, agora à mostra, menosprezando as curvas, os seios e as ancas (que, segundo a moda à época, deviam ter pequenas dimensões) - o look Andrógino. A verdade é que os vestidos mais leves, soltos e curtos eram perfeitos para a febre da época: o Charleston. A dança, com seus movimentos frenéticos, jamais poderia ser executada por meninas de saias compridas e espartilho. O Jazz era a música do momento, e a cultura negra ganhava o seu espaço.


Este novo look também incluía os cabelos curtos e lisos (la garçonne), os quais eram adornados por um pequeno e elegantíssimo chapéu de uso indispensável e conhecido por cloche (sino, em francês).



Este foi o look supremo da década de 20. Vestidos curtos, leves, elegantes, geralmente em seda, com a cintura caída no quadril, mostravam os braços e as costas. Na maquilhagem, a tendência  era a boca carmim, pintada para parecer um arco de cupido ou um coração; os olhos eram bem marcados, as sobrancelhas tiradas e delineadas a lápis; a pele era branca, o que acentuava os tons escuros da maquilhagem. As pérolas e franjas à la Chanel eram igualmente uma tendência a par dos chapéus cloche e dos cabelos curtos.

Com o Crash da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em 1929, a moda francesa entrou em decadência, sendo substituída por criações de estilistas como Madeleine Vionnet (1876-1975), Madame Paquim (1869-1936) e, claro, Coco Channel (1883-1971), sendo esta última a mais marcante. Com o aparecimento de Elza Schiaparelli (1890-1973), foram introduzidas roupas de qualidade para a classe trabalhadora.


                                                           um século depois...a it girl Victoria Beckham com chapéu cloche de inspiração vintage

                                                     um século depois...Gucci 2012, Alberta Ferretti 2009 inspiram-se nos loucos anos 20





A euforia dos "loucos anos 20" chegou ao fim com a crise de 1929. A queda da Bolsa de Valores de Nova York provocou uma crise económica mundial sem precedentes. Muitos milionários ficaram pobres de um dia para o outro, bancos e empresas faliram e milhões de pessoas perderam os empregos. É com este cenário que entramos na década de 30.

Esta década foi palco de diversos acontecimentos, entre eles: o "New Deal", proposto pelo Presidente norte-americano Roosevelt como forma de recuperar da crise iniciada em 1929, a guerra civil espanhola, a subida de Hitler ao poder e o início da Segunda Guerra Mundial.

Em geral, os períodos de crises não são caracterizados por ousadias na forma de vestir. Nesta década, a moda reflectiu as dificuldades passadas um pouco por todo o mundo, e revelou-se menos ousada, mas com elegância.

Diferentemente dos anos 20, que haviam destruído as formas femininas, os anos 30 redescobriram as formas do corpo da mulher através de uma elegância refinada, sem grandes ousadias.

Acompanhando a tendência do final dos anos 20, as saias tornaram-se mais compridas e a cintura voltou ao seu lugar original; voltaram as mangas compridas; os cabelos passaram a usar-se ligeiramente mais compridos do que na década de 20 mas ainda curtos e o pequeno chapéu Cloche entrou em desuso, tendo sido substituido por chapéus maiores, usados inclinados. Grandes laços no colarinho e também sobre o chapéu.

As características principais do vestuário desta época eram os ombros largos e as ancas estreitas, mas sem a rigidez mais comum em épocas anteriores. As roupas acentuavam as costas, através de decotes profundos em vestidos de noite.

Os vestidos tornaram-se mais rectos e justos, evidenciando as ancas e o formato das nádegas, e podiam ser acompanhados de uma pequena capa, ou bolero.

Foi nesta década que a moda se associou ao desporto, ao ar livre e à praia. Os estilistas começaram a interessar-se pela moda-praia e pela moda desportiva. Como resultado, passaram a usar-se saias curtas na prática do ténis, os saiotes de praia diminuíram e as cavas aumentaram.

No final dos anos 30, sob a influencia da Segunda Guerra Mundial (inciada em 1939), as roupas apresentavam uma linha militar. As saias, por exemplo, usavam-se agora com uma abertura lateral que ia até abaixo do joelho, para facilitar o uso da bicicleta.
As mulheres altas, magras e com físico desportivo eram mais admiradas e procuradas pelos estilistas, que procuravam acentuar tais atributos.

O uso dos óculos-de-sol tornou-se moda nesta década e eram sobretudo usados por celebridades nomeadamente estrelas de cinema. Aliás, o cinema foi o grande referencial de disseminação dos novos costumes. Hollywood, através das suas estrelas, como Katharine Hepburn e Marlene Dietrich, e de estilistas, como Edith Head e Gilbert Adrian, influenciaram milhares de pessoas.
Greta Garbo,  Norma Shearer e a Marilyn Monroe dos anos 30, Jean Harlow, eram outras inspirações e os modelos de beleza da época, devido ao seu visual sofisticado, com sombracelhas e pálpebras marcadas a lápis e pó-de-arroz de tom claro, cujo uso de popularizou no universo feminino.


Com a Grande Depressão, as roupas passaram a ser cortadas sobre moldes e difundiu-se o uso de tecidos sintéticos (mais baratos), tudo com o objectivo de reduzir o preço final. Tal fazia com que mulheres de diferentes classes sociais usassem roupas bastante semelhantes.

Em 1935, um dos principais criadores de sapatos, o italiano Salvatore Ferragamo, lançou sua marca, que viria a transformar-se num dos impérios do luxo italiano. Com a crise na Europa, Ferragamo começou a usar materiais mais baratos, como o cânhamo, a palha e os primeiros materiais sintéticos. A sua principal invenção foi a palmilha compensada. Materiais como a baquelite (plástico maleável), tornaram possível o fabrico de jóias de bijutaria, inspiradas em temas do momento. O algodão e a caxemira passaram a ser usados em vestidos de noite.

Gabrielle Chanel continuava a ser um sucesso, assim como Madeleine Vionnet e Jeanne Lanvin. A surpreendente italiana Elsa Schiaparelli iniciou uma série de ousadias em suas criações, inspiradas no surrealismo. Outro destaque é Mainbocher, o primeiro estilista americano a fazer sucesso em Paris. Os seus modelos, em geral, eram sérios e elegantes, inspirados no corte enviesado de Vionnet.

Com a Segunda Guerra Mundial, muitos estilistas acabariam por fechar as suas maions, mudando-se de França para outros países. Tal revolucionou a forma de vestir e o comportamento de toda uma época.

Spring-Summer 2010...


...John Galliano desenhou uma coleção inteira inspirando-se nas roupas usadas pelas estrela de filmes mudos dos anos 30.
Blazers e trenchs sobre vestidos românticos de renda e crepe fino.



Nesta década, dá-se o apogeu seguido do fim da Segunda Guerra Mundial, ocorre o lançamento da bomba atómica em Nagasaki, Gandhi é assasinado por um extremista hindu e é aprovada, em 1948, a Declaração dos Direitos Humanos pela ONU.
Em 1940, a Segunda Guerra Mundial já havia começado na Europa. A cidade de Paris, ocupada pelos alemães em Junho do mesmo ano, já não contava com todos os grandes nomes da alta-costura. Muitos dos estilistas tinham abandonado Paris. Contudo, e apesar das regras de racionamento impostas pelo governo, que, entre outras coisas, limitava a quantidade de tecidos que se podia comprar para o fabrico das roupas, a moda sobreviveu à guerra. A escassez de tecidos fez com que as mulheres tivessem de reciclar as suas roupas e utilizar materiais alternativos, como a viscose e as fibras sintéticas.
                                
                     
                                                         Mulheres usando roupas populares em tempo de guerra, que permitiam o uso da bicicleta...

Com o encerramento de muitas casas de moda francesas, e depois da tentativa frustrada do regime nazi de tornar cidades como Viena capitais da moda, a moda passou a reflectir influências vindas da América. Tal como aconteceu durante a Primeira Guerra Mundial, as mulheres eram obrigadas a trabalhar; como tal, as roupas tinham carácter utilitário e eram inspiradas nas fardas militares.

O look icónico da época é, sem dúvida, o conjunto saia/casaco, além da saia-calça, que realçavam o busto e a cintura.

Nesta década, a tendência ditava o uso de cinturas finas, saias com pregas finas, presas por penses, blusas justas, chapéus (por vezes substituídos por turbantes) e luvas.











As saias tinham pormenores como um bolso falso, que lhes conferia maior volume. A forma dos ombros era quadrada e as calças compridas, ambos de corte masculino, lembravam as fardas militares. As saias voltaram a encurtar. Os vestidos que imitavam conjuntos de saia e os casaquinhos abotoados popularizaram-se; os sapatos tinham aspecto pesado e masculinizado e de couro brilhante: incluíam o modelo plataforma (mais usado por se desperdiçar menos material) e as socas de madeira (estas últimas foram bastante usadas por Carmen Miranda). Com o preço da seda a aumentar, os collants foram substituídos por meias tipo soquete. As malas à tiracolo eram também muito usadas pelas mulheres.


Por falta de cabeleireiros, os cabelos passaram a ser usados mais longos, presos por grampos ou modelando-os em cachos. O lenço, usado no cabelo, tornou-se bastante popular nos tempos de guerra.

  
Com o fim da Guerra, a moda apresentava agora uma tendência para o luxo e para a nostalgia. O corte masculino foi abandonado e substituído por um visual que valorizava as formas femininas.
Com o objectivo de ressuscitar a alta-costura, em 1947, Dior lançou a sua colecção intitulada "New Look", que marcava uma forte oposição ao modo de vestir dos anos de guerra. As saias eram agora amplas de cintura fina, as blusas eram estruturadas (os ombros e os seios adquiriam formas naturais) e usavam-se sapatos altos, luvas e chapéus grandes. Um vestido chegava a gastar 25 metros de tecido, e as curvas femininas eram exageradas. Foi um visual que gerou alguma controvérsia na época, devido ao uso de roupas íntimas com barbatanas e tecidos engomados que acescentavam volume à silhueta.
Foi ainda no final desta década que o prêt-a-porter, trazido dos Estados Unidos, começou a competir com a alta-costura. No final da Guerra surgiam então as bases de uma alta-costura independente e de uma indústria de moda em prêt-a-porter direccionado para as massas.

Actualmente o visual ladylike, com inspiração nos anos 40, também traz ombros marcados relembrando os tempos de guerra.










New Look de Christian Dior, dos finais da década de 40, revolucionou o guarda-roupa feminino e colocou novamente a França como o centro da moda após a Segunda Guerra Mundial. O estilista trouxe de volta a feminilidade e o glamour ao mundo pós-Segunda Guerra Mundial e transformou a moda numa indústria lucrativa.

Durante toda a década de 50, o estilista continuou criando silhuetas que se tornaram o padrão estético da época. Metros e metros de tecido eram gastos para confeccionar um vestido, bem amplo e na altura dos tornozelos. A cintura era bem marcada e os sapatos eram de saltos altos, além das luvas e outros acessórios luxuosos, como peles e jóias.


A maquilhagem estava na moda e valorizava o olhar, o que levou a uma infinidade de lançamentos de produtos para os olhos, um verdadeiro arsenal composto por sombras, rímel, lápis para os olhos e sobrancelhas, além do indispensável delineador. A maquilhagem realçava a intensidade dos lábios e a palidez da pele, que devia ser perfeita.

Grandes empresas, como a Revlon, Helena Rubinstein, Elizabeth Arden e Estée Lauder, gastavam muito em publicidade, era a explosão dos cosméticos. Na Europa, surgiram a Biotherm, em 1952 e a Clarins, em 1954, lançando produtos feitos a base de plantas, que se tornaria uma tendência a partir daí.
Era também o auge das tintas para cabelos, que passaram a fazer parte da vida de dois milhões de mulheres - antes eram 500.


Os penteados podiam ser coques ou rabos-de-cavalo, como os de Brigitte Bardot. Os cabelos também ficaram um pouco mais curtos, com mechas caindo no rosto e as franjas davam um ar de menina.


Dois estilos de beleza feminina marcaram os anos 50, o das ingénuas chiques, encarnado por Grace Kelly e Audrey Hepburn, que se caracterizavam pela naturalidade e jovialidade e o estilo sensual e fatal, como o das actrizes Rita Hayworth e Ava Gardner, como também o das pin-ups americanas, loiras e com seios fartos.


 Entretanto, os dois grandes símbolos de beleza da década de 50 foram Marilyn Monroe e Brigitte Bardot, que eram uma mistura dos dois estilos, a devastadora combinação de ingenuidade e sensualidade.



Durante os anos 50, a alta-costura viveu o seu apogeu. Nomes importantes da criação de moda, como o espanhol Cristobal Balenciaga - considerado o grande mestre da alta-costura, Hubert de Givenchy, Pierre Balmain, Chanel, Madame Grès, Nina Ricci e o próprio Christian Dior, transformaram essa época na mais glamourosa e sofisticada de todas.

O grande destaque na criação de sapatos foi o francês Roger Vivier. Ele criou o salto-agulha, em 1954 e, em 1959 o salto-choque, encurvado para dentro, além do bico chato e quadrado, entre muitos outros. Roger Vivier começou a trabalhar com Elsa Schiaparelli na década de 30 e mais tarde com muitos outros estilistas, incluindo com Dior e criando vários modelos para os desfiles dos grandes estilistas da época.




Em 1954, Chanel reabriu a sua maison em Paris, que esteve fechada durante a guerra. Aos 70 anos de idade, ela criou algumas peças que se tornariam inconfundíveis, como o famoso tailleur com guarnições trançadas, a famosa bolsa a tiracolo em matelassê e o escarpin bege com ponta escura.


Em Inglaterra, empresascomo Jaeger, Susan Small e Dereta produziam roupas prêt-à-porter sofisticadas. Em Itália, Emilio Pucci produzia peças separadas em cores fortes e estampadas que faziam sucesso tanto na Europa como nos EUA.
Em França, Jacques Fath foi um dos primeiros a voltar-se ao prêt-à-porter, ainda em 1948, mas era inevitável que os outros estilistas começassem a acompanhar essa nova tendência à medida que a alta-costura começava a perder terreno, já no final dos anos 50.
Nessa época, pela primeira vez, as pessoas comuns puderam ter acesso às criações da moda sintonizada com as tendências do momento.
Em 1955, as revistas Elle e Vogue dedicaram várias páginas das suas publicações às colecções de prêt-à-porter, o que sinalizava que algo estava a transformar-se no mundo da moda.
Uma preocupação dos estilistas era a diversificação dos produtos, através do sistema de licenças, que estava a revolucionar a estratégia económica das marcas.


Assim, alguns produtos tornaram-se símbolos do que havia de mais chique, como o lenço de seda Hermès, que Audrey Hepburn usava, o perfume Chanel Nº 5, preferido de Marilyn Monroe e o batom Coronation Pink, lançado por Helena Rubinstein para a coroação da rainha da Inglaterra.


Imortalizado por divas como Audrey Hepburn, Jackie Onassis, Grace Kelly e Catherine Deneuve, o lenço de seda da Hermés tornou-se um símbolo de status e requinte que é usado até hoje por celebridades como Madonna, Sarah Jessica Parker e rainha Elizabeth. Para as "clientes anónimas", os Hermès são tão especiais que passam de uma geração para outra como um verdadeiro património familiar.




Agora, mais de 50 anos depois, várias coleções internacionais resolveram voltar-se a essa época de pujança e muito glamour. Miuccia Prada, com toda a estranheza que lhe é peculiar, criou silhuetas que remetem aos anos 50 e 60, com uma cintura bem marcada e saias na altura do joelho. Para compor o casting do desfile, escolheu modelos mais voluptuosas, como Lara Stone e Doutzen Kroes.


Tal como Miuccia, Marc Jacobs também se inspirou no glamour dos anos 50 para a colecção Fall/winter 2010 da Louis Vuitton, criando uma silhueta que lembra o "New Look". O casting desta griffe também apostou em modelos mais curvilíneas, como Bar Rafaeli e Laetitia Casta.